Livro dos ofícios – Livre des métiers d’Etienne Boileau (1268)

Introdução

Tendo sido nomeado Reitor de Paris em 1261, com maiores responsabilidades para com a justiça, polícia e administração da cidade, Étienne Boileau (1200-1270) logo começou a codificar os regulamentos, costumes e práticas das diferentes corporações de trabalhadores que tinham o seu ofício na capital do reino francês. Até esse ponto, a maioria dos regulamentos eram simplesmente tradições transmitidas de boca em boca e, portanto, sujeitas aos caprichos da memória ou má interpretação deliberada para ganho pessoal.

Boileau ordenou que os líderes das profissões, os mestres e os Prud’hommes (representantes dos trabalhadores), fossem ao Grand Châtelet (Sede da reitoria) de Paris para registrar os direitos, privilégios e requisitos de suas profissões, a fim de que um livro dos ofícios pudesse ser compilado a partir do testemunho direto das pessoas envolvidas. Neste momento foram registrados em detalhes, mais de 100 dos 150 ofícios praticados dentro dos muros de Paris e esta compilação foi apresentada ao Rei em 1268.

Local e contexto

Na segunda metade dos anos 1200, Paris – fundada 1.400 anos antes na Ile de la Cité (Ilha da Cidade) com o nome de Lutetia – estava com 150.000 habitantes, sendo a cidade mais populosa do mundo cristão. A sua localização, às margens do rio Sena, no centro de uma região agrícola próspera e no cruzamento das principais vias, tornou um importante centro econômico.

Seus operários e comerciantes foram agrupados em guildas ou corporações, que iniciaram disputas por territórios e prerrogativas. Isto levou a um conflito legal e físico. Na época, os tribunais foram entupidos com reivindicações e disputas, enquanto nas ruas, houveram confrontos públicos e lutas entre residentes locais e estrangeiros itinerantes.

Diante da agitação, Luís IX (1214-1270), decidiu que uma nova regulamentação constituía a melhor forma de pacificação e controle de todas as atividades locais, e a melhor maneira de garantir renda regular através de impostos reais. Os regulamentos de Étienne Boileau dirigiram as profissões francesas para os 500 anos seguintes.

O documento, Livre des métiers (livro dos ofícios ou profissões) está dividido em seis partes, o último incluindo entre outros, os artífices, pedreiros, construtores e gesseiros. É nesta seção que está o interessante para os maçons modernos e assim citados nesta publicação.

É de notar que o primeiro códice do livro dos ofícios, também chamado Livro Branco ou Primeiro Livro dos Ofícios, foi destruído por um incêndio na Chambre des Comptes, em 26 de outubro de 1737, mas cópias de seu conteúdo estão bem preservadas até hoje.

O texto (Tradução livre por Luciano R. Rodrigues)

Étienne Boileau, o Reitor de Paris, a todos os burgueses e moradores de Paris, e a todos aqueles que entrarão nos limites deste mesmo lugar, e que se interessará, Oyez (1) …

Aos Maçons, Plasterers e Mortarers (2)

Estes são os estatutos e regras do Sindicato dos Mestres Maçons, Plasterers e Mortarers, feitos em honra de Deus.

1 – Na cidade de Paris qualquer pessoa que deseje ser um pedreiro, pode ser um, desde que conheça o seu ofício e trabalhe de acordo com as práticas e costumes de sua profissão, que são assim definidos:

2 – Ninguém pode ter mais de um aprendiz na sua atividade, e se ele tem um, deve mantê-lo por seis anos de serviço. Ele pode muito bem mantê-lo além deste tempo, se o homem estiver disponível, mediante pagamento (3). Se ele o mantiver por menos de seis anos, será multado em vinte centavos de Paris (4), pagável à capela de Saint Blaise (5), salvo se os aprendizes forem seus próprios filhos, nascidos no casamento.

3 – O Maçom pode licitamente tomar um segundo aprendiz nos mesmos termos que fez o exame do primeiro, contanto que o primeiro tenha concluído cinco anos de aprendizado.

4 – O Rei que agora governa, a quem Deus concedeu longa vida, tem confiado, durante o tempo que entender, autoridade sobre todos os Maçons, ao Mestre William de Saint-Patu. O dito Mestre William jurou em Paris, no Palace Lodge (6), que protegeria a Guilda dos Maçons o melhor que pudesse, com honestidade e justiça, tanto para os pobres como para os ricos, para os fracos e para os poderosos, tanto quanto o Rei desejasse que ele servisse aquela Guilda.

Mestre William então deu seu juramento na presença do Reitor de Paris no Grand Châtelet (7).

5 – Mortarers e Plasterers estão sob as mesmas condições e organização que os maçons.

6 – O Mestre que em nome do Rei chefia a Guilda de Maçons, Mortarers e Plasterers de Paris, pode ter dois aprendizes apenas, nas mesmas condições, conforme estipulado acima. Se ele tiver mais aprendizes, será multado conforme indicado acima.

7 – Os Maçons, Mortarers e Plasterers podem ter tantos ajudantes e empregados (8) em suas atividades quanto eles desejarem, desde que a eles não mostrem nenhum dos pontos de qualidade do seu ofício.

8 – Todos os Maçons, Mortarers e Plasterers devem jurar proteger seu Ofício, se empenhando a trabalhar lealmente e para o bem e informar ao Mestre da Guilda qualquer caso de violação sobre os usos e costumes do Ofício que possa ter a sua atenção.

9 – Os Mestres com aprendizes cujo período de aprendizagem esteja cumprido, devem comparecer perante o Mestre da Guilda e testemunhar o fato de que seu aprendiz cumpriu fielmente o seu tempo e com isso o Mestre da Guilda pedirá ao aprendiz que prometa sob juramento observar as práticas e costumes do Ofício, lealmente e satisfatoriamente.

10 – Ninguém pode praticar o ofício depois do Nones (3 pm) serem entoados em Notre-Dame aos sábados, a qualquer hora durante o ano ou depois que as vésperas (6 pm) são cantadas em Notre-Dame, a menos que ele esteja prestes a fechar um arco ou uma escada, ou esteja prestes a colocar as últimas pedras de uma porta que conduz à rua.

Se alguém trabalhar além destas horas, com exceção do trabalho acima indicado ou similar, que não pode ser adiado, ele deve pagar uma multa de quatro deniers (uma moeda pequena que vale cerca de um centavo) para o Mestre da Guilda e o Mestre da Guilda pode retirar as ferramentas daquele que repete a ofensa.

11 – Os Mortarers e os Plasterers estão sob a jurisdição do Mestre que, em nome do Rei, chefia a Guilda acima mencionada.

12 – Se um Plasterer entregar gesso para uso de qualquer pessoa, o Maçom que o emprega deve verificar, sob juramento, se o gesso enviado está na medida correta e honesta. Se ele estiver em dúvida, ele deve medir novamente ou tê-lo medido diante de seus olhos.

Se ele achar que a medida está errada, o Plasterer tem que pagar uma multa de cinco sous: dois sous à capela acima mencionada de Saint Blaise, dois sous para o Mestre da Guilda, e 12 deniers para o maçom que terá medido o gesso.

Deve, no entanto, se provado que faltava a mesma quantidade de gesso de cada carga de burro entregue para o trabalho específico, como estava faltando no saco que foi medido, um saco de carga por si só não pode ser avaliado.

13 – Ninguém pode ser um Plasterer em Paris, a menos que ele pague cinco sous ao Mestre da Guilda nomeado. Depois de ter pago ele deve prometer sob juramento não misturar qualquer outro material com o gesso e dar boa e honesta medida.

14 – Se um Plasterer misturar material que não deve ser usado com seu gesso, ele deve pagar uma multa de cinco sous ao Mestre da Guilda cada vez que ele repetir a ofensa. Se o Plasterer tem o hábito de fraudar e não melhorar ou se arrepender, o Mestre da Guilda pode suspendê-lo do Ofício; E se o Plasterer não obedecer ao Mestre da Guilda, este deve informar o Reitor de Paris, que deve, por sua vez, forçar o Plasterer a abandonar o ofício.

15 – Os Mortarers devem prometer sob juramento e na presença do Mestre da Guilda e outros Mestres do Ofício que não farão argamassa que não seja boa qualidade e, caso a façam de outro material de modo que a argamassa não fixe, enquanto as pedras estão sendo colocadas, a estrutura deve ser desfeita e uma multa de quatro deniers deve ser paga ao Mestre da Guilda.

16 – Os Mortarers não podem ter um aprendiz por menos de seis anos de serviço e cem sous de Paris, para ensiná-lo.

17 – Com a autorização do Rei, o Mestre da Guilda tem jurisdição sobre infracções menores e multas de Maçons, Plasterers e Mortarers e de seus ajudantes e aprendizes. Além disso, tem jurisdição sobre os empreendimentos do seu ofício, sobre os construtores não autorizados e sobre as reivindicações, com exceção de reivindicações de propriedade.

18 – Se algum dos trabalhadores dos ofícios acima mencionados, quando convocados pelo Mestre da Guilda, não obedecerem, a multa a ser paga ao dito Mestre é fixada em quatro deniers; Se ele aparece no dia designado e for considerado culpado, ele faz uma promessa, e se ele não pagar dentro do prazo designado ele tem que pagar [uma multa adicional] quatro deniers ao Mestre da Guilda.

Se ele negar qualquer irregularidade, mas for considerado culpado, ele também paga quatro deniers ao Mestre da Guilda.

19 – O Mestre da Guilda só poderá cobrar uma multa por desavença. Se aquele que tem que pagar a multa é tão furioso e tão fora de si, que se recusa a obedecer à ordem do Mestre ou a pagar sua multa, o Mestre pode retirá-lo do Ofício.

20 – Se alguém pertencente a qualquer dos ofícios acima mencionados, tenha sido excluído por ordem do Mestre da Guilda, mas continua a trabalhar além da data de exclusão, o Mestre pode tirar suas ferramentas até que ele tenha pago a multa.

E se ele resistir com força, o Mestre da Guilda deve informar ao Reitor de Paris, que deve acabar com sua violência.

21 – Os Maçons e Plasterers devem ter o dever de pagar os impostos e outras taxas que todos os outros cidadãos de Paris devem ao rei.

22 – Os Mortarers foram dispensados do dever das taxas, desde o tempo de Charles Martel (9), como os homens sábios ouviram dizer de pai para filho.

23 – O Mestre da Guilda nomeado está isento do dever de taxas, como recompensa pelos serviços que ele toma como Mestre da Guilda.

24 – Também estão isentos de taxas aqueles que têm mais de sessenta anos de idade, e aquele cuja mulher está na cama por tanto tempo quanto ela está lá, desde que informem o supervisor do guarda nomeado pelo Rei.

NOTAS

1 – Oyez … expressão usada no tempo medieval como um chamado para o silêncio e atenção, especialmente quando uma declaração importante estava prestes a ser lida em voz alta. Deve-se notar que a maioria das pessoas afetadas pelo Livro dos Ofícios eram incapazes de ler e escrever.

2 – Plasters – Artífice que trabalha com gesso. Mortarer – Artífice que tem a cargo a confecção de argamassa para os maçons.

3 – Nos tempos medievais, era uma regra que no momento da assinatura de um contrato de aprendizagem, o Mestre receberia uma taxa (o preço do serviço) para cobrir os custos iniciais do aprendiz; Ele teria então que considerar ele como seu filho, e garantindo para ele, hospedagem, abrigo e roupas. O aprendiz não era pago pelo seu trabalho.

4 – No antigo tempo francês: 1 livre (libra) = 20 sous (centavos) = 240 deniers. Em 1360, o livre (libra) tornou-se: “franc”.

5 – St. Blaise – Santo padroeiro dos construtores pedreiros.

6 – Palácio Lodge – Quarto ou câmara em um palácio. Outros significados na língua antiga: abrigo, tenda, cabana ou casa pequena; Uma loja também poderia ser uma área de terreno onde um monumento ou um edifício foi construído.

7 – Grand Châtelet – Fortaleza real localizada no centro de Paris; A sede da cidade para o pessoal da justiça e da polícia.

8 – Na época de Étienne Boileau, os ofícios eram geralmente divididos em três classes distintas: Aprendizes (aprendizagem de cinco a oito anos), Artífice (que tinham terminado a sua formação, mas não tinham meios para criar o seu próprio trabalho) e os Mestres. Então vieram os ajudantes e empregados.

9 – Charles Martel (686 – 741) foi um franco estadista e líder militar que, como Duke e príncipe dos francos e prefeito do palácio, governou o reino dos Francos de 718 até sua morte.

Fonte – http://www.anciensdevoirs.com/page-02.html – Acesso em 26/12/2016

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