A maçonaria especulativa nasceu de uma sociedade de jantares?

Este não é um questionamento novo, já foi sugerido nos escritos do chamado “primeiro livre pensador e maçom”, o Irlandês John Toland, com sua Sociedade de Banquetes Socráticos do século XVIII.

Também aparece em algumas passagens, quase esquecidas, de Gotthold Ephraim Lessing, considerado um dos três filósofos e poetas mais importantes do iluminismo alemão, junto com Johann Wolfgang von Goethe e Friedrich Schiller.

Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781)

Gotthold Lessing foi iniciado na loja “Zu den drei Goldenen Rosen” (As três rosas de ouro) em Hamburgo e foi feito um mestre maçom em 14 de outubro de 1770.

Foi um defensor da tolerância e liberdade contra o dogma, argumentando, em suas obras, que a razão humana evoluiria sem revelações divinas, e somente impulsionada por críticas e contradições.

Entre suas obras estão os “5 Diálogos para os Maçons (ou Ernest e Falk)”, onde no quinto diálogo, escrito em 1779, ele afirma abertamente que o discurso de James Anderson era pura “falsificação”, “digno de merecer a PICOTA”1 e passa a desenvolver sua idéia da criação da sociedade especulativa que ele chama de maçonaria livre, entendendo-a como uma reunião de companheiros dos jantares para filósofos e maçons da guilda da construção.

Não há notas, referências ou qualquer bibliografia, mas aqui está este escrito algo mais próximo no tempo, para essa fundação quase mítica de 1717.

Um fragmento do quinto diálogo entre Ernest e Falk, de Gotthold Lessing, é transcrito abaixo:

Ernst – Entenda: A Maçonaria.

Falk – Com certeza! Pois ela não se baseia em relações externas que são tão facilmente convertidas em convenções sociais, mas repousa sobre os sentimentos de uma comunidade de espíritos em simpatia.

Ernst – E quem se atreve a dominar isto?

Falk – No entanto, a Maçonaria sempre e em toda parte, teve que ceder e se moldar às demandas da sociedade, porque esta, sempre foi a mais forte.

Seja qual for a forma em que a sociedade tenha sido constituída, por mais diversificadas que sejam, a Maçonaria não foi capaz de deixar de admiti-las, apenas que, como é natural, cada nova forma tem seu nome distinto.

Como podemos supor que o nome da Maçonaria é mais antigo do que a opinião dominante dos estados, segundo a qual estes eram tão subdivididos?

Ernst – E qual é essa opinião dominante?

Falk – Deixo isso para suas próprias investigações – basta dizer que o título de maçom para designar um membro de nossa associação secreta fraternal, nunca foi conhecido ou pronunciado antes do século atual (1780). Certamente esse título não aparece antes desse tempo em qualquer livro impresso, e vem apresentá-lo a mim em um manuscrito autêntico de uma data anterior!

Ernst – Você quer dizer o nome alemão?

Falk – Nada disso! Nem o nome original de FREEMASON, nem qualquer um dos nomes imitados ou traduzidos a partir deste, ou qualquer outro idioma.

Ernst – É isso mesmo? Lembre-se, em qualquer livro impresso antes do presente século? em nenhum?

Falk – Em nenhum!

Ernst – No entanto, eu mesmo ……

Falk – É possível? Que um pouco de poeira também voe sobre seus olhos, que não para de se espalhar por aí?

Ernst – Mas quem diz é ……

Falk – Em Londonópolis. Não estou certo? … é poeira!

Ernst – E o ato do parlamento de Henrique VI?

Falk – É poeira!

Ernst – E os grandes privilégios concedidos por Charles XI, rei da Suécia, à loja de Gothemburg?

Falk – É poeira!

Ernst – E Locke?

Falk – Qual Locke?

Ernst – O filósofo, seus escritos para o conde de Pembrock, suas observações sobre um interrogatório escrito de próprio punho e letras de Henrique VI.

Falk – Isso talvez seja uma novíssima descoberta, eu não sei, mas novamente Henrique VI, é poeira e nada além de poeira!

Ernst – Nunca, Jamais!

Falk – Você conhece uma designação mais moderada para qualificar uma deturpação do texto e a substituição de originais?

E – É possível que o público e a impunidade tenham conseguido continuar por tanto tempo com esse engano?

F – Por que não? Não é grande o número de pessoas que podem se opor ao absurdo, desde o começo. É suficiente que eles não sejam prescritos, embora seja melhor para o público não tomar conhecimento deles, porque o mais desprezível é que, ninguém se dá ao trabalho de atacá-los, então acontece que com o tempo eles adquirem aparência de assuntos muito sérios e quase sagrados.

E assim, depois de mil anos, será dito: “Eles teriam permitido se escrever tais coisas se não fossem verdadeiras? ”.

Ou talvez. – “Ousa agora, contradizer a autoridade daqueles homens dignos de todo crédito? ”.

E – Oh, história, história! Por que que você é tão reduzida!

F – A rapsódia fria e descarnada de Anderson, onde a história da arquitetura é substituída pela história da Ordem. Isso deve passar!

Por uma vez e naquela época, isso seria ótimo, mas a impostura era óbvia demais!

Mas que se siga edificando em um terreno tal pantanoso, e que sempre se queiram manter impressos, os que têm vergonha de sustentar verbalmente, na presença de qualquer homem digno, sustentando uma farsa que deveria ter sido abandonada a tempo, é cometer uma falsificação para tratar de miseráveis ​​interesses civis, deve ser punido com a PICOTA (Pelourinho).

E – Mas e se for verdade, se além de um simples trocadilho, ele tiver mantido o segredo da Ordem desde a sua criação, principalmente pelos membros dessa arte homônima?

F – Se fosse verdade?

E – E por que não há de ser? De outro modo, como poderia ter ocorrido da Ordem apropriar-se dos símbolos precisos do Craft, precisamente dele não de qualquer outro?

F – A pergunta é um tanto capciosa.

E – Tal circunstância certamente tem uma causa.

F – E ela tem!

E – Tem, e é diferente do que se supõe?

F – Tem uma causa muito diferente.

E – Eu tenho que adivinhar ou você me permite perguntar?

F – Se você tivesse me perguntado antes o que estou esperando, não seria difícil para você fazer agora.

E – Outra pergunta que você estava esperando?

F – Se eu te disse antes, que o que chamamos de Maçonaria, nem sempre foi chamado dessa forma, teríamos agora uma conclusão mais natural e lógica …

E – Perguntar como ela era chamada antes? Bem, eu te pergunto agora!

F – Você me pergunta como a Maçonaria era chamada antes de ter este nome?

MASONEY

E – Sim, em inglês eu suponho, MASONRY.

F – Não em Inglês MASONRY, e sim MASONEY, mas não de Maçom, construtor, mas de MASE, a mesa.

E – MASE, a mesa, em que idioma?

F – Na língua anglo-saxônica, e não apenas nela, mas na dos godos e francos, trata-se de uma palavra de origem alemã da qual muitos outros derivados ainda são conservados ou mantidos, como MASCOPIE, MASLEIDIG, MASGENOSSE. Mesmo no tempo de Lutero, a palavra MASONEY era frequentemente usada, embora seu significado tivesse se degenerado um pouco.

E – Ignoro tanto seu bom significado, quanto o degenerado.

F – Mas você não vai ignorar o costume de nossos antepassados em relação às questões mais importantes depois do jantar? Então foi MASE, a mesa e MASONEY, uma sociedade secreta de JANTARES.

Como uma sociedade fechada e íntima de jantares, se tornou uma sociedade de bebedores, e em que sentido ela usa a palavra MASONEY, você pode facilmente deduzir.

E – E não faz muito tempo, algo semelhante estava prestes a acontecer com a palavra LOGIA!

F – Mas antes que o MASONEY degenerasse a tal extremo na opinião pública, ela gozava de autoridade e bom crédito.

Não havia um único tribunal na Alemanha, por menor que fosse, que não tivesse o MASONEY. Isso é comprovado nos velhos livros de canções e nas antigas publicações históricas. Construções especiais, que se comunicavam com os palácios e castelos dos senhores governantes, tinham seus nomes, nos quais agora, nestes tempos modernos, diversas interpretações circularam. E eu não preciso lhe contar mais, para sua maior glória, que a Sociedade da MESA (Távola) Redonda foi o primeiro MASONEY e o mais antigo e do qual todos os outros têm sua origem.

E – A Távola Redonda? Isso remonta a uma antiguidade fabulosa.

F – Por mais fabulosa que seja a história do Rei Arthur, a Távola Redonda não é tão boa.

E – Mas sua fundação é atribuída ao Rei Arthur.

F – Não é assim. Nem mesmo de acordo com a lenda, nem Arthur, nem seu pai teriam herdado isso dos anglo-saxões, como a palavra MASONEY parece sugerir.

E que suposição é mais natural e lógica de que os anglo-saxões importaram para a Inglaterra os costumes de sua terra natal?

Nas tribos germânicas da época, percebe-se o carinho peculiar de se formar dentro da sociedade civil, outras menores da mais íntima confiança.

E – Você crê nisso?

F – Tudo o que agora conto a você, com leveza e sem a devida precisão, prometo prová-lo em minha biblioteca assim que retornarmos à cidade. Por enquanto, apenas me escute, como se recebesse as primeiras notícias de um grande evento, que é mais para incitar a curiosidade do que satisfazê-la.

E – Do que está falando?

F – Que o MASONEY era um costume alemão que os saxões transportaram para a Inglaterra.

Escritores ainda estão em desacordo sobre quem entre eles foram os MASE-THANES, e com toda probabilidade seriam os nobres da Masoney, que sendo profundamente enraizada, foi mantida durante as mudanças posteriores de vários governos e instituições, manifestando-se de tempo em tempo com todo esplendor.

Especialmente o Masoney dos … dos séculos XII e XIII gozavam de grande popularidade.

E um “masoney” foi aquele que tinha preservado o centro de Londres até o final do século XVII, apesar da abolição da Ordem, e aqui começa a era em que você nota a ausência da história escrita, mas em uma tradição bem preservada e que mostra tantas visões da verdade, disposta a reparar a falha.

E – E o que impede que esta tradição se eleve no status da história, através da manifestação de documentos escritos?

F – Impede? Não há nada que o impeça! Pelo contrário, a razão aconselha, e pelo menos eu me considero habilitado, e até mesmo obrigado, a revelar o segredo, tanto para você como para todos os outros que estão nessa circunstância.

E – Pois, então … estou na maior expectativa.

F – Bem, aquele “masoney” que ainda permanecia no final do século passado, conservado em Londres, mas na maior reserva, tinha seu ponto de encontro nas proximidades da Catedral de São Paulo, que então estava em construção.

O arquiteto disso, a segunda catedral do mundo foi …

E – Christopher Wren!

F – Você acabou de nomear o criador de toda a maçonaria atual no mundo …

E – Ele?

F – Wren, o arquiteto da Catedral de St. Paul, em cuja vizinhança conheceu um antigo Masoney de tempos imemoriais, era ao mesmo tempo um membro dela e o frequentou durante os mais de trinta anos que foram usados na construção daquele templo.

E – Eu começo a perceber o erro.

F – Nem mais nem menos! O verdadeiro significado da palavra Masoney tinha sido esquecido pelo povo inglês, e uma Masoney localizada tão perto de um edifício tão importante e onde o seu principal arquiteto foi muita frequência, o que mais poderia ser uma MAÇONARIA, ou seja, uma sociedade de homens versados ​​em arquitetura a quem Wren consultava e com quem ele discutia as dificuldades que lhe foram apresentadas?

E – Naturalmente!

F – O prosseguimento da obra de tal catedral interessava toda a Londres. Para adquirir notícias em primeira mão sobre o estado obra, aqueles que acreditavam possuir algum conhecimento de arquitetura estavam determinados a obter a admissão a esta suposta MAÇONARIA, mas seus esforços eram em vão.

Eu suponho que eles finalmente encontraram Wren pessoalmente e que ele era um ser muito talentoso e ativo.

Ele já havia participado na formação de um projeto de sociedade científica, cujo objetivo era: UTILIZAR E APLICAR NA PRÁTICA DA VIDA CIVIL, CERTAS VERDADES FILOSÓFICAS ESPECULATIVAS, e chegou a ideia do inverso desta sociedade, que NA PRÁTICA DA VIDA CIVIL, SE ELEVA A ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA.

Lá, ele pensou, o que era verdadeiro seria examinado se fosse útil, e aqui o que era útil era verdade.

E se eu definisse algumas regras ESOTERICAS do masoney?

E se eu ocultasse sob os hieróglifos e símbolos do mesmo ofício, o que não pode ser definido esotericamente e estender o que pode se entender por Masoney como uma Maçonaria Livre, em que muito mais pessoas pudessem participar?

Ernst, o que há de errado com você?

E – Eu me sinto ofuscado.

F – Tem agora um pouco mais de luz?

E – Um pouco? Demasiado de uma só vez ..

F – Você entende agora?

E – Eu imploro a você, meu amigo, não continue! Não te chamaram em sua empresa na cidade?

F – Você me quer lá?

E – E se eu quiser? Você me prometeu!

F – Bem, eu tenho bastante coisa para fazer lá, e repito, que de memória talvez eu tenha expressado hesitação em muitos pontos, mas entre os meus livros você tem que ver e palpitar. O sol se põe e tenho que voltar para a cidade. Adeus!

E – Outro sol veio para mim. Adeus!

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FIM DO QUINTO DIÁLOGO

Monumento de Lessing (Berlim)

Conclusão

Com o texto de Lessing, observamos que já no século XVIII, havia uma forte crítica a James Anderson e sua descrição da origem maçônica, presente nas Constituições da Grande Loja de Londres. Talvez por estar na Europa continental, o texto não tenha ficado tão “famoso” quanto outros textos ingleses da mesma época, além de ir de encontro com a história de uma Grande Loja que naturalmente não queria ter sua origem questionada.

Lessing também nos apresenta uma interessante conexão da maçonaria com o famoso arquiteto e geômetra Inglês, Christopher Wren, também abordada por William Preston em suas Ilustrações da Maçonaria, fortalecendo assim, a origem operativa da maçonaria.

Wren, foi fundador e presidente da Royal Society of London for Improving Natural Knowledge no século XVII, instituição de desenvolvimento científico que muito contribuiu para a organização da maçonaria especulativa, pois sabe-se que entre os fundadores da Grande Loja de Londres, estavam diversos membros da Royal Society.

Wren, além de ter planejado a reconstrução de Londres após o grande incêndio de 1666, também tivera diversos trabalhos científicos em astronomia, óptica, o problema em medir a longitude no mar, cosmologia, mecânica, microscopia, medicina e meteorologia, sendo acompanhado por seus companheiros da Royal Society, entre eles, Isaac Newton e Robert Boyle, e também, sob influências do matemático e físico Blaise Pascal que era conhecido de Wren, mas que faleceu anos antes da fundação da Royal Society.

Notas

1 – Picota – Pelourinho, é uma coluna de pedra colocada em local público de uma cidade ou vila, onde eram punidos e expostos os criminosos.

2 – Em 1920, uma Grande Loja na Tchecoslováquia foi chamada de “A Grande Loja Lessing dos Três Anéis”. Os nazistas destruíram esta Grande Loja, pois Hitler não tolerava a Maçonaria. Havia apenas um grupo que os nazistas e os fascistas odiavam mais do que os judeus, eram os maçons.

3 – Para baixar o arquivo com os “5 Diálogos para os Maçons (ou Ernest e Falk)” de Gotthold Ephraim Lessing, em alemão – Clique aqui -> Ernst-und-Falk-Original

Bibliografia

https://freimaurer.hamburg/

http://www.masoniclibrary.org.au/research/list-lectures/163-gotthold-ephraim-lessing.html

https://www.masonrytoday.com/index.php?new_month=1&new_day=22&new_year=2017

http://www.stadtentwicklung.berlin.de/bauen/brunnen/de/mit/27a.shtml

https://pantheist.weebly.com/toland.html

https://de.wikipedia.org/wiki/Lessing-Denkmal_(Berlin)

Texto de “O Prumo de Hiram” – www.oprumodehiram.com.br

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