O Grau da Marca no Rito Escocês Antigo e Aceito

INTRODUÇÃO

Devido à maneira como hoje é praticado, costuma-se associar o grau de Mestre da Marca ao sistema de graus colaterais ingleses ou a um capítulo do Arco Real. Muitos se surpreendem, portanto, ao descobrir que o grau da Marca já foi praticado no Rito Escocês Antigo e Aceito.

Para compreender como isso aconteceu, recomenda-se conhecer o histórico do grau da Marca (que pode ser visto aqui)

A HISTÓRIA DO GRAU NO R.E.A.A.

Em 1802, um grupo de maçons liderado pelos irmãos William Best, Emanuel De La Motta e Isaac Auld desejava montar uma loja de Marca em Charleston, na Carolina do Sul.

Como a Grande Loja local não fornecia patentes para qualquer coisa para além dos três graus tidos como simbólicos, o grupo liderado pelo irmão Best dirigiu sua solicitação, no dia 9 de janeiro, ao Mui Sublime Grande Conselho dos Príncipes de Jerusalém – em outras palavras – ao que posteriormente seria conhecido como o Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito, mais especificamente da jurisdição do Sul dos E.U.A.

(A nomenclatura “Rito Escocês Antigo e Aceito” só seria adotada muitos anos depois. Mas, para evitar confusão, será aqui utilizada universalmente.)

No dia 21 do mesmo mês, o Supremo Conselho respondeu concedendo patente para a American Eagle Lodge nº1, de Mestres Maçons da Marca, a ser estabelecida na própria cidade de Charleston.

Sabe-se que a American Eagle Lodge nº1 operou por, pelo menos, 5 anos, pois o último registro dela a que se tem acesso data de 1807. Não se sabe ao certo em que momento encerrou suas atividades.

A partir de 1802, portanto, o R.E.A.A. passou a praticar também o grau da Marca, para além dos graus até hoje conhecidos, chegando, inclusive, a desenvolver um ritual, que foi utilizado por várias lojas ao redor do mundo.

Sabe-se que a prática durou muitos anos, pois em 1825 John Folwer, Supremo Grande Inspetor Geral para o R.E.A.A. na Irlanda, autorizou a constituição de uma Loja de Marca em território irlandês.

Não se sabe ao certo em que momento o grau da Marca caiu em desuso no R.E.A.A., mas fato é que ele era bastante diferente das suas contrapartes no sistema inglês e no York.

Uma teoria é a de que a fundação de Grandes Capítulos do Arco Real em várias localidades tenha sido responsável pela gradual queda de interesse pela marca do R.E.A.A., a exemplo do que aconteceu na própria Carolina do Sul, onde as lojas de Marca instituídas pelo Supremo Conselho não têm mais registro depois de 1822, quando o Grande Capítulo de Maçons do Arco Real foi estabelecido.

Felizmente, o Grand College of Rites dos Estados Unidos preservou o ritual da American Eagle Lodge, o que nos permite ter uma ideia de como era o grau dentro do R.E.A.A.

Abaixo, as principais diferenças:

PEDRA CÚBICA X PEDRA CHAVE

Uma das principais diferenças entre os sistemas está no fato de que, no R.E.A.A., o grau revolve em torno da Pedra Cúbica e não da Pedra Chave.

Provavelmente, isso se deve ao fato de que a Pedra Cúbica é exatamente o objetivo do Grau de Companheiro. Diferentemente do grau simbólico, contudo, a Pedra Cúbica teria em seu centro a Marca do iniciando.

No grau da Marca do R.E.A.A., era a Pedra Cúbica que distinguia a classe mais especial dos construtores do Templo, a saber, a dos pedreiros.

Da mesma forma que não há Pedra Chave, a lenda também traz um enfoque muito diferente e particularmente relevante para a história da Maçonaria.

A seguir, uma reconstrução do avental do grau da Marca do R.E.A.A.

A LENDA DA MARCA DO R.E.A.A.

Abaixo, uma descrição da lenda do grau da Marca do R.E.A.A. Embora não haja nenhum segredo de grau – até por ser muito diferente dos demais – o autor sugere que só seja lida por quem já fez o grau da marca.

A lenda começa de uma forma tradicional, enfatizando a amizade de Hiram, rei de Tiro, e o rei Salomão e como ela foi crucial para a construção do Templo.

Narra também que o arquiteto Hiram Abiff é enviado a Jerusalém, para ser o superintentende da obra, com a inscrição H.T.W.S.S.T.K.S. sendo interpretada como alusiva a esse fato.

A obra continha várias classes de operários, tais como artesãos, carpinteiros, etc. Para cada um desses grupos, Hiram Abiff teria apontado supervisores.

Hiram Abiff fica impressionado com o trabalho dos pedreiros, que eram mais habilidosos que os demais. Segundo a Bíblia (1 Reis 5:18), esses pedreiros eram giblitas, isto é, habitantes da região de Gebal.

Hiram organiza os pedreiros numa classe separada e, para distingui-los dos demais, os faz usarem uma medalha contendo a marca individual de cada um, juntamente com um esquadro e um compasso e um sol, semelhante à joia de um Past Master.

(Obs: O grau era concedido somente a Mestres Instalados, de modo que o candidato passava por uma condução semelhante ao Past Master virtual no York americano.)

Os giblitas foram encarregados de preparar as Pedras Cúbicas para o local mais sagrado do Templo: o Santo dos Santos (Sanctum Sanctorum). Para isso, Hiram Abiff lhes concedeu acesso ilimitado aos tesouros do Templo, para que com esses recursos pudessem realizar a obra em questão.

O destaque especial dos giblitas gerou ciúmes nas outras classes de trabalhadores. Principalmente porque apresentavam sua marca no tesouro do Templo e extraíam uma quantidade aparementemente ilimitada de dinheiro.

Pessoas mal intencionadas, portanto, buscavam oportunidades de obter a marca de um giblita. Iam até o tesouro do Templo num horário específico e colocavam sua mão numa cabine, buscando obter o pagamento.

Contudo, não conheciam a forma dos giblitas de pegar o valor e, ao fecharem suas mãos, ativavam o mecanismo de uma espécie de guilhotina, que lhes decepava a mão. Isso os marcava de forma indelével como homens sem escrúpulos e eles eram desprezados pelos demais e rejeitados como obreiros.

A lenda é concluída dizendo que, dessa forma, Hiram Abiff assegurou que tudo transcorresse da melhor forma e que cada um realizasse a tarefa que lhe era conferida.

POSSÍVEL CONEXÃO HISTÓRICA

Uma conexão história interessante pode ser extraída dessa lenda: Sabe-se que a rivalidade entre pedreiros e outras classes, em especial a dos carpinteiros, está por trás de vários acontecimentos importantes na Maçonaria. Inclusive de modificações na lenda do Terceiro Grau e do Arco Real. (Saiba mais sobre isso aqui  e também aqui).

O enfoque da lenda do grau da Marca no R.E.A.A. parece ser o de justificar a primazia dos pedreiros em detrimento das demais classes, algo que se encaixa perfeitamente bem com o pano-de-fundo histórico acima mencionado.

Embora não se possa afirmar que essa lenda em particular seja mais antiga que a lenda da Pedra Chave, atualmente praticada no grau da Marca nos demais sistemas, é bem provável que sua origem seja bastante antiga, provavelmente por sua temática datando de meados do século 18.

LIÇÕES DO GRAU

As principais lições apresentadas no grau dizem respeito essencialmente a duas coisas. Uma delas, a importância de manter os conhecimentos maçônicos longe das mãos daqueles que os utilizariam para benefício próprio.

A segunda alude à solidariedade para com os irmãos, de forma semelhante à lição do chapter penny nos demais sistemas.

CONCLUSÃO

Assim como acontece no grau 13 em comparação com o Arco Real, embora o grau da Marca do R.E.A.A. tenha uma temática parecida com o grau da Marca nos sistemas inglês e americano, o desenvolvimento do grau em si é bastante diferente.

O autor lamenta, portanto, que esse grau tenha caído em desuso, pois além de trazer lições relevantes à Maçonaria, também traz registros históricos importantes que trazem mais luz ao desenvolvimento de outros graus.

Felizmente, o trabalho de preservação do ritual da American Eagle Lodge nº1 nos deu a possibilidade de manter pelo menos algumas das principais informações sobre o grau.

BIBLIOGRAFIA

PREACHER, William G. Early Capitular Masonry In South Carolina With Particular Reference To The Mark Degree. Collectanea (vol. 11 part 3). The Grand College of Rites of the United States of America, 1981.

MARK Master Masonry. Irish Masonic History and the Jewels of Irish Freemasonry. Disponível em: <http://www.irishmasonichistory.com/mark-master-mason.html>. Acesso em: <30/01/2021>.

OFFICIAL Bulletin S.C. 33º U.S.A. (S.J.) The Freemason – vol. XXI, no. 1032. 15 de dezembro de 1888.

SOBRE O AUTOR

Luis Felipe Moura é M∴ M∴, membro da ARLS Conde de Grasse-Tilly 301 (GOP/COMAB). É Mestre da Marca nos sistemas americano (York) e inglês. É bacharel em Letras (inglês), mestre em Teologia e em Psicanálise, atualmente trabalha como psicanalista e professor de Bíblia Hebraica.

One thought on “O Grau da Marca no Rito Escocês Antigo e Aceito

  • 3 de fevereiro de 2021 em 11:22 AM
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    Oportuno artigo dando mais luz no nosso caminho de procura da verdade.
    Grato Ir.

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